Pensamento ibero-americano

Revista da Secretaria-Geral Ibero-Americana


As migrações: um determinante no caminho para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Carolina Moreno

Professora Associada e Diretora do Centro de Estudos Migratórios (CEM), Faculdade de Direito da Universidad de los Andes, Colômbia

Em setembro de 2023, realizou-se em Nova Iorque a “Cúpula dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável“, momento no qual já havia decorrido a metade do prazo previsto para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), declarados em 2015. Conforme definido as Nações Unidas, os ODS são o modelo para alcançar um futuro sustentável para todas as pessoas e “não deixar ninguém para trás”. Os ODS estão interligados e incorporam desafios globais como pobreza, desigualdade, clima, degradação ambiental, prosperidade, paz e justiça. No âmbito da Cúpula de 2023, a revisão dos ODS deixou grande preocupação porque o progresso no cumprimento dos objetivos e metas é insuficiente para a data planejada de 2030. 

Conforme explica a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) em seu “Sétimo relatório sobre os Avanços e Desafios Regionais da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável na América Latina e no Caribe“, ao nível global, as Nações Unidas constataram que, se as tendências atuais continuarem, “apenas 15% das metas terão sido alcançadas até 2030”. No caso da América Latina e do Caribe, a CEPAL estima que, até esse ano, cerca de 22% das metas estabelecidas teriam sido alcançadas. Entre as causas que explicam esse lento avanço na consecução dos ODS, a CEPAL menciona o crescimento ralentado das economias, o aprofundamento das desigualdades -dentro e entre os países-, a insegurança alimentar, os impactos da revolução tecnológica e das mudanças climáticas, o aumento dos custos do financiamento internacional e, claro, o crescimento e a diversificação das migrações. 

Na presente análise, focar-me-ei na migração e, em particular, na íntima relação entre migração e desenvolvimento sustentável, mostrando como a situação das pessoas em movimento através das fronteiras internacionais é um fator determinante para avançar à consecução dos ODS até 2030. Embora me concentre principalmente no papel dos governos na gestão dos fluxos migratórios no âmbito da Meta 10 dos ODS, também mostrarei como a resposta à mobilidade humana, como fenômeno global, é um fator determinante para o alcance de diferentes objetivos e metas de desenvolvimento sustentável. 

Por que a migração é importante?

Em primeiro lugar, as migrações são tremendamente relevantes devido às suas dimensões quantitativas. Embora a Organização Internacional para as Migrações (OIM) afirme que a grande maioria das pessoas vive em seu país de nascimento e não cruza uma fronteira internacional, não se deve perder de vista que a migração internacional é quantitativamente muito representativa e que vem aumentando ao longo dos anos. Conforme a Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UN DESA), o número de migrantes internacionais em todo o mundo é estimado em quase 281 milhões em 2020, acima dos 173 milhões em 2000 e 221 milhões em 2010. A parcela de migrantes internacionais na população total aumentou de 2,8% em 2000 para 3,2% em 2010 e 3,6% em 2020, à medida que o número de migrantes internacionais cresceu mais rápido do que a população mundial. A maioria dos migrantes internacionais reside na Europa (87 milhões), seguida pela América do Norte (59 milhões) e norte da África e Ásia Ocidental (50 milhões). 

Agora, nem todas as pessoas se mudam de seus lugares de residência habitual pelos mesmos motivos. Conforme o relatório da ONU DESA, acima mencionado, “o deslocamento forçado através das fronteiras nacionais continuou aumentando”. Entre 2000 e 2020, o número de pessoas que cruzaram fronteiras internacionais fugindo de conflitos, perseguições ou violações de direitos humanos dobrou de 17 para 34 milhões. Enquanto isso, em 2020, refugiados e requerentes de asilo representavam 12% da população migrante global, em comparação com 9,5% duas décadas antes. A heterogeneidade das razões que levam as pessoas a migrar é um aspecto fundamental a ser levado em consideração ao projetar e implementar políticas para responder à chegada de pessoas aos países, seja em trânsito ou com vocação de permanência.

Além desses dados sobre migrantes no mundo e a proporção daqueles que se deslocam involuntariamente, o relatório da ONU DESA de 2020 também deixa outras “mensagens-chave” entre as quais se destacam: “a maioria dos refugiados do mundo está acolhida em países de baixa e média renda”; “quase dois terços de todos os migrantes internacionais vivem em países de alta renda”; “a maioria dos migrantes internacionais do mundo vive em um pequeno número de países”; “as mulheres e as meninas representam 48% dos migrantes internacionais” e “a maioria dos migrantes internacionais está em idade ativa”. Por fim, afirma que “a maioria dos países possui políticas para facilitar a migração ordenada, segura, regular e responsável”.

Todas essas afirmações denotam que o conhecimento detalhado dos contextos migratórios e a caracterização daqueles que se deslocam através das fronteiras são decisivos para o desenho e implementação de qualquer política de resposta por parte dos governos. As considerações acima também explicam que a gestão de pessoas em movimento, independentemente das razões que motivam seus deslocamentos, é uma peça essencial no quadro da discussão sobre desenvolvimento, aspecto que abordarei na próxima seção.

Qual é a relação entre migração e os ODS? 

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (Agenda) é composta por 17 ODS e 169 metas. A principal referência à migração na Agenda encontra-se no ODS 10 sobre “Redução das desigualdades” e, em particular, na meta 10.7: “Facilitar a migração e a mobilidade ordenadas, seguras, regulares e responsáveis das pessoas, inclusive por meio da implementação de políticas de migração planejadas e bem gerenciadas”. Essa meta lembra o “Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular“, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2018. 

A meta 10.7 não é o único lugar da Agenda que afeta a situação dos migrantes, bem como as comunidades de acolhimento e os governos dos países de origem, trânsito e destino. De fato, se entendermos a migração como uma situação que atravessa a vida de quem cruza fronteiras, é possível perceber que, para a satisfação de quase todos os ODS, a resposta à migração resulta não apenas pertinente, como necessária. A relação entre migração e ODS está presente nos seguintes objetivos: “Erradicação da pobreza”, “Fome zero”, “Saúde e bem-estar”, “Educação de qualidade”, “Igualdade de gênero”, “Água potável e saneamento”, “Trabalho decente e crescimento econômico”, “Cidades e comunidades sustentáveis” e “Paz, justiça e instituições eficazes”. 

Quanto à forma como ocorre a migração, não há dúvida de que é altamente conveniente que as pessoas cruzem as fronteiras dos países por meio de canais regulares e consoante com as disposições legais sobre entrada e permanência que cada um deles estabelece, de acordo com sua soberania em matéria de estrangeiros. Porém, apesar disso, a realidade nos mostra que as pessoas nem sempre podem se acolher a essas exigências e, não raramente, recorrem a canais irregulares, que as expõem a situações de vulnerabilidade e risco. Isso é especialmente verdadeiro quando a migração se deve a fatores de perseguição, violência, violação dos direitos humanos ou degradação ambiental, entre muitas outras causas de migração involuntária. 

Como explica a OIM, a migração pode responder a situações de crise e lacunas de desenvolvimento. Ou seja, um desenvolvimento socioeconômico precário devido, por exemplo, à falta de oportunidades de emprego, exclusão social, discriminação ou falta de acesso a serviços sociais, pode motivar a decisão de uma pessoa de deixar seu país de origem.  Por sua vez, a migração tem um grande potencial para contribuir à consecução dos objetivos e metas de desenvolvimento, no nível individual das pessoas em movimento, das comunidades com as quais vivem e dos governos, nacionais e subnacionais. 

Por conseguinte, é fundamental, em primeiro lugar, não estigmatizar a migração irregular. Isso pode ocorrer devido a fatores estruturais que não estão sob o controle de quem migra nem está em suas mãos a possibilidade de resolvê-los, como a existência de governos autoritários, desigualdade social, pobreza, violência ou conflitos. Em segundo lugar, e como consequência do exposto, é imperativo que os governos adotem políticas adequadas para que as pessoas possam regularizar sua situação jurídica e buscar um projeto de vida digno no país em que se encontram, aspecto ao qual voltarei na próxima seção. Nas palavras da OIM, “os ODS e o compromisso de não deixar ninguém para trás e ajudar aos menos avançados não serão logrados sem a devida consideração das questões migratórias”.

Qual é o papel da governança migratória na redução das desigualdades?

O progresso em direção à mobilidade segura, ordenada e regular, previsto na meta 10.7 como parte da “redução das desigualdades” (ODS10), requer uma governança adequada, estratégica e eficaz dos fluxos migratórios. A gestão migratória requer um conjunto amplo e diversificado de ações institucionais, envolvendo governos em diferentes níveis (nacional e subnacional). Também requer a abrangência ativa e coordenada de todos os setores governamentais cujas competências legais têm a ver com a resposta à migração, tais como: saúde, trabalho, moradia, indústria, gênero, família e infância, justiça, migração e estrangeiros, para citar alguns. 

Entre as ações institucionais para a resposta à migração, podem ser citadas: a regularização migratória e o acesso à documentação, a integração socioeconômica, o combate à xenofobia e às manifestações discriminatórias, a promoção do trabalho formal em igualdade de condições com os trabalhadores nacionais, o acesso aos serviços sociais, a proteção de direitos com abordagens diferenciadas, o combate ao tráfico de pessoas e ao contrabando e a proteção efetiva de suas vítimas. Permitir uma migração ordenada, segura e regular implica a adoção de regras, o desenho e a implementação de políticas que permitam às pessoas regularizar sua situação jurídica. Ter uma situação migratória regular, por exemplo, favorece as possibilidades de acesso ao trabalho formal e decente, à educação em seus diferentes níveis, à saúde e à previdência social, à moradia em condições dignas e à justiça para a proteção de seus direitos. Todos esses aspectos são, por sua vez, ODS da Agenda 2030, conforme discutido na seção anterior.

A governança migratória, além de envolver os Estados (e seus governos), também exige a afluência de esforços nos níveis regional e global, seguindo o próprio traçado dos caminhos migratórios daqueles que se movem. Em relação à migração internacional, devido a sua natureza transfronteiriça, merece uma gestão coordenada, além das fronteiras nacionais de um país. Portanto, a resposta das autoridades (nacionais, subnacionais e supranacionais) à migração exige, por sua vez, instrumentos normativos, nacionais e internacionais, capazes de responder às necessidades e interesses, nem sempre alinhados, das pessoas em movimento, governos e comunidades de acolhimento. 

Nesse complexo conjunto de interesses, são necessários espaços de discussão, acordo e cooperação entre governos, bem como atores internacionais relevantes, para construir políticas coordenadas de resposta à migração que sejam de longo prazo e tenham maior impacto. As medidas estatais focadas na perseguição, criminalização e contenção de pessoas em movimento às vezes apenas incrementam os riscos, a violência e os custos de tais deslocamentos, exacerbando a situação de vulnerabilidade que os migrantes já enfrentam. 

Finalmente, em consonância com o Quadro de Governação da Migração da OIM, um Estado avança no sentido de uma migração humana e ordenada que seja benéfica para os migrantes e para a sociedade quando: i) adere-se às normas internacionais e respeita os direitos dos migrantes, ii) formula políticas empiricamente sustentadas e aplica uma abordagem que integra todas as autoridades competentes, e (iii) constrói parcerias duradouras com atores relevantes para gerenciar a migração. 

Conclusão reflexiva

A conexão entre a migração e o desenvolvimento sustentável, à luz da Agenda 2030, é indissociável e, portanto, a relevância de levar a sério a governança da migração. Satisfazer a redução das desigualdades e dos outros ODS requer a concordância dos migrantes, bem como das comunidades e governos receptores, seja de trânsito ou de destino, e até mesmo dos países de origem. 

A resposta à migração é um desafio complexo que provoca permanentemente a todos os atores da sociedade e ao qual, definitivamente, não podemos virar as costas. As migrações estão constantemente fluindo e se reconfigurando, apesar das medidas de contenção e perseguição que às vezes parecem brotar vorazmente em diferentes partes do globo. É claro que nem os muros altos, nem o arame farpado afiado, nem o mar agitado, nem as selvas inóspitas foram capazes de impedir as migrações. Portanto, como sociedades civilizadas e democráticas que somos, construídas sobre a lei e reconhecedoras dos direitos das pessoas, não temos outro caminho senão a gestão ativa e proativa da migração, a partir de uma abordagem humana, baseada em direitos e respeitosa com as diferenças. Não estou dizendo que seja fácil, mas é um imperativo inevitável e urgente.

 

 

Carolina Moreno : Advogada e doutora em Direito pela Universidade dos Andes (Colômbia) e mestre em Direito Público pela Universidade Pompeu Fabra (Espanha). Atualmente é professora associada e diretora de Pesquisa da Faculdade de Direito da Universidade dos Andes, diretora do Centro de Estudos Migratórios (CEM) e do Grupo de Investigação em Direito, Migrações e Ação Social (DMAS) e cofundadora da Clínica Jurídica para Migrantes da mesma Universidade.

* As opiniões expressas nos artigos da revista Pensamento Ibero-Americano são de responsabilidade exclusiva dos seus autores e não refletem necessariamente o ponto de vista da Secretaria-Geral Ibero-Americana.

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