A Comunidade Ibero-Americana assume como sua a riqueza da “unidade na diversidade“, de ser “uma cultura de culturas”, de ser um espaço privilegiado para “falar francamente das nossas discrepâncias…, mas sempre através do respeito baseado na amizade.” Foi assim que Sua Majestade Felipe VI o lembrou recentemente.
A partir dessas palavras surgiu a ideia do Encontro.
A primeira Cúpula, que aconteceu em Guadalajara, México, em 1991, já falava do encontro entre dois mundos. Um encontro que deu origem a uma notável miscigenação. Um encontro a partir do qual começa uma história comum. Um encontro que criou um patrimônio valioso.
A ideia do encontro entre povos irmãos é, talvez, nestes tempos de fragmentação e antagonismos, mais importante do que nunca. O encontro ibero-americano permite que nos distingamos em um mundo onde os conflitos explodem, as ameaças se aproximam, as injustiças se perpetuam. O encontro ibero-americano é o que permite a solidariedade e a cooperação entre nossas nações localizadas em ambas as margens do Atlântico. O encontro ibero-americano é aquele que permite, em tempos de diferenças, chegar a consensos: em tempos de fragmentação, trazer unidade; em tempos de divisão, promover a coesão; em tempos de ações individuais, apostar por projetos coletivos; em tempos de animosidade, confiar na harmonia; em tempos de tensão, inserir concórdia, em tempos de diferenças dar lugar à argumentação, porém não à exclusão.
Seria absurdo ignorar que a região está passando por tempos turbulentos.
A insegurança tornou-se a principal preocupação em muitos países, minando a confiança dos cidadãos na democracia e no Estado e, pior ainda, entre si.
O crescimento econômico não alcançará, segundo projeções, um ritmo que continue a criar oportunidades, a resgatar as pessoas da pobreza e a oferecer perspectivas de um futuro melhor. A América Latina está enfrentando uma nova década perdida.
irreparável em vidas humanas.
A incerteza sobre o que está por vir condiciona negativamente os investimentos e A política é sitiada pela fragmentação e pela polarização. A consequência é a grande dificuldade em gerar consenso, o que retarda as reformas que poderiam lançar novas bases para a prosperidade e a convivência.
A sociedade está passando por uma etapa em que a fé no progresso parece ter dado lugar ao ceticismo, a indignação irrompe como motor das demandas dos cidadãos e até a violência admite graus de tolerância.
Porém, o que foi dito acima não são características exclusivas da região. O mundo também está vivendo tempos turbulentos.
A guerra ressurgiu como meio de resolver as diferenças, com o consequente custo reduz as expectativas de crescimento.
As instituições nascidas como instâncias globais são cada vez mais questionadas. O paradoxo é óbvio: quanto mais ameaças surgem dos efeitos das mudanças climáticas e da degradação da natureza, mais claro fica que as novas tecnologias – entre as quais se destaca a IA – são benéficas, mas também podem se voltar contra nós, quanto mais evidente é que o crime organizado afeta significativamente a coexistência, mais fracas são as instituições internacionais criadas para evocar tais fenômenos. O mundo precisa de mais e não menos multilateralismo, cooperação e solidariedade.
Na Secretaria-Geral, continuaremos a construir pontes que aproximem as posições, criando espaços de diálogo e cooperação que fortaleçam a todos, projetando o espanhol e o português como línguas de trabalho internacionais e científicas e gerando oportunidades que abram novos horizontes para nossos cidadãos.
Porque, apesar da turbulência dos tempos, a Secretaria-Geral continua funcionando com todo o ímpeto. E o fez por meio de uma cooperação que não para, por meio do trabalho de um conjunto de redes que não param de crescer, por meio do compromisso de seus empresários, atores da sociedade civil e prefeitos, que se renova constantemente, e por meio do valioso trabalho das Organizações Ibero-Americanas: a Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI); a Organização Ibero-Americana de Segurança Social (OISS), a Conferência de Ministros da Justiça dos Países Ibero-Americanos (COMJIB) e a Organização Internacional da Juventude para a Ibero-América (OIJ).
Por isso, é hora de reivindicar a Ibero-América. Aproveitar um trabalho de mais de 30 anos onde prevaleceu a busca de consensos e em que foram gerados avanços com impacto real na vida das pessoas.
É hora de projetar o que nos une: uma herança compartilhada, uma cooperação única, uma institucionalidade consolidada. É hora de continuar gerando direitos e oportunidades para construir uma verdadeira cidadania ibero-americana.
É mais importante do que nunca voltar às raízes, ao que nos une… Voltar para o compartilhado. Somente através do que é compartilhado poderemos erguer este valioso projeto, a Comunidade Ibero-Americana no futuro, e fazer ouvir nossa voz pela paz, democracia e anseio por progresso no cenário internacional.
Este não é o momento para resignação, mas para ambição. Vamos aproveitar o que construímos ao longo de décadas, reforçar o que sabemos que nos beneficia a todos e continuar a crescer para enfrentar juntos os grandes desafios que temos pela frente.
Discurso proferido pelo Secretário-Geral Ibero-Americano, Andrés Allamand, na cerimônia de abertura da XIX Cúpula Ibero-Americana em Cuenca, Equador, em 14 de novembro de 2024.