Definir o que é desenvolvimento é uma pergunta que todas as sociedades fazem a si mesmas, inclusive nós como indivíduos. Dou uma aula universitária sobre desenvolvimento e começamos a primeira sessão da seguinte maneira: os estudantes se dividem em duplas. Um coloca óculos de realidade virtual que o mergulham na cena cotidiana de uma sociedade desconhecida. O outro, que não pode ver nada do que o colega com os óculos está vendo, deve fazer perguntas para descobrir o nível de desenvolvimento daquela sociedade. Depois trocam de papel com uma nova cena. Ao final, compartilhamos as perguntas que foram feitas em comum.
É fascinante observar como as perguntas variam: Há calçadas? Como as pessoas se vestem? Elas têm o que comer? São felizes? As pessoas riem? Há armas? As perguntas são quase infinitas, diferentes e diversas.
Posteriormente, explico que o desenvolvimento é um conceito normativo, que avalia algo, e, portanto, está sujeito a um juízo de valor. Poderíamos até nos perguntar: o desenvolvimento implica uma mudança? Deve ser necessariamente bom ou ruim? Para certas correntes pós-colonialistas, o desenvolvimento foi uma ideia imposta pelo Ocidente para promover determinados valores ou estilos de vida.
O debate sobre o que é desenvolvimento e como medir o progresso das sociedades ganhou importância nas últimas décadas. Será, sem dúvida, um dos eixos centrais da Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), onde o bem-estar humano e a qualidade de vida se apresentam como pilares-chave. Uma das questões que ressurge com força é a necessidade de ir “além do PIB” como única medida de desenvolvimento. Esse debate ganha especial relevância diante de desafios como a mudança climática, as crescentes desigualdades, o mal-estar social ou os problemas de saúde mental, entre outros. São problemáticas que transcendem a análise puramente econômica.
A forma de medir o desenvolvimento influencia diretamente as políticas públicas. Se uma sociedade é avaliada unicamente pelo seu Produto Interno Bruto (PIB), as políticas tendem a se concentrar exclusivamente no crescimento econômico, deixando de lado fatores cruciais como o bem-estar individual ou a sustentabilidade ambiental. Muitas nações caíram nesse enfoque enviesado, priorizando um número que oferece pouca informação sobre o bem-estar real de seus habitantes. Isso tem impedido o avanço rumo a um desenvolvimento melhor, mais sustentável e equitativo.
Embora o PIB tenha sido útil por sua capacidade de comparação, cada vez mais se reconhece sua insuficiência para capturar o progresso humano. Necessitamos ir mais além.
O PIB: origem, vantagens e limitações
O Produto Interno Bruto (PIB) foi desenvolvido nos Estados Unidos na década de trinta, em um contexto marcado pela Grande Depressão. Em 1934, o economista Simon Kuznets apresentou ao Congresso norte-americano um relatório com uma fórmula para estimar o valor total dos bens e serviços produzidos por um país em um determinado período. Sua proposta estabeleceu as bases do PIB moderno, embora tenha sido após a Segunda Guerra Mundial, especialmente no contexto de Bretton Woods (1944), que o PIB se consolidou como o principal indicador do desempenho econômico dos países.
No entanto, desde seus primórdios, já se alertava sobre suas limitações. O próprio Kuznets advertiu que “o bem-estar de uma nação dificilmente pode ser inferido a partir de uma medida de ingresso nacional”. Robert F. Kennedy afirmou em 1968 que “o PIB mede tudo, exceto aquilo que faz com que a vida valha a pena”.
O PIB não reflete a distribuição de renda nem as desigualdades internas. Pode dar uma falsa sensação de prosperidade em países com alta concentração de riqueza. Além disso, omite dimensões essenciais do desenvolvimento humano: não considera a qualidade de vida, o acesso a serviços básicos nem os danos ambientais. Exclui o trabalho doméstico não remunerado, o voluntariado ou a economia informal (atividades fundamentais, especialmente em países do Sul Global).
Essas limitações impulsionaram a busca por indicadores alternativos que ofereçam uma visão mais holística e orientem políticas públicas mais integradas.
Redefinindo o desenvolvimento
Diante das limitações do PIB, surgiram novas correntes que buscam redefinir o desenvolvimento. Uma das abordagens mais influentes para ir além do PIB é a Abordagem das Capacidades, desenvolvida por Amartya Sen e Martha Nussbaum. Essa proposta entende o desenvolvimento como a expansão das liberdades reais das pessoas, ou seja, sua capacidade de levar vidas que valorizam. Embora a renda seja um meio, o desenvolvimento também implica saúde, educação, segurança, participação política e autonomia pessoal.
Inspirado nessa visão, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) introduziu em 1990 o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que combina três dimensões: saúde (expectativa de vida), educação (anos esperados e média de escolaridade) e renda (PIB per capita). Essa integração permitiu reconhecer que o desenvolvimento não pode se limitar ao crescimento econômico e que é, por natureza, multidimensional.
Com o tempo, o IDH evoluiu para incorporar novas variantes, como o IDH ajustado pela desigualdade (IDH-D), o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG) ou o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM). Isso transformou a forma de compreender a pobreza como uma privação multidimensional, ajudando a formular políticas públicas que protejam os direitos e promovam as capacidades em todas essas dimensões.
Na Europa, por exemplo, a pobreza também é medida em termos relativos, comparando a renda de uma pessoa com a média nacional, o que destaca a importância da inclusão social e da equidade.
Da mesma forma, a sustentabilidade ambiental começou a ser integrada. O Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado ao Planeta (IDHP) subtrai pontos do IDH com base nas emissões de CO₂ per capita. Isso permite visualizar o desenvolvimento como um equilíbrio entre o bem-estar humano e a saúde planetária.
Dos ODM aos ODS
Em 2000, foram adotados os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), focados principalmente na redução da pobreza extrema. Embora tenham representado um avanço, foram criticados por seu enfoque limitado aos países de baixa renda e por não considerarem suficientemente as condições iniciais de cada país.
Em 2015, a ONU adotou a Agenda 2030 e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Esse novo marco propõe uma visão holística, universal e integradora do desenvolvimento. Abrange não apenas o crescimento econômico, mas também a sustentabilidade ambiental (ODS 13 a 15), a inclusão social (ODS 1, 5 e 10), o acesso à educação e à saúde (ODS 3 e 4), assim como aspectos de governança e parcerias (ODS 16 e 17).
Um elemento chave da Agenda 2030 — e que foi amplamente ignorado por métricas de desenvolvimento anteriores — é seu reconhecimento explícito da diversidade de contextos nacionais. Embora estabeleça um marco comum de metas globais, a Agenda permite que cada país adapte a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) às suas próprias capacidades, prioridades e circunstâncias. Essa flexibilidade favorece a apropriação local dos ODS e facilita que as metas se alinhem com os desafios, fortalezas e trajetórias específicas de cada nação.
Países que foram mais além do PIB
Distintos países implementaram iniciativas para superar as limitações do PIB:
- Butão (Gross National Happiness): Na década de 1970, foi pioneiro na criação de um marco alternativo ao PIB com sua proposta da Felicidade Interna Bruta (FIB), um indicador que parte da premissa de que o desenvolvimento deve se centrar em maximizar a felicidade coletiva antes da riqueza material. Essa abordagem ganhou relevância internacional quando, em 2011, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a resolução 65/309, na qual se reconhecia a felicidade como um objetivo humano fundamental e se instava os Estados-membros a elaborarem medidas mais inclusivas e holísticas de progresso, para além do Produto Interno Bruto.
- Escócia: Em 2007, a Escócia lançou seu National Performance Framework (revisado em 2018), um modelo de referência pioneiro que integra a visão de uma Economia do Bem-Estar. Esse marco estabelece onze prioridades nacionais acompanhadas de indicadores específicos para avaliar múltiplas dimensões do bem-estar na sociedade escocesa. Para além do crescimento econômico, o enfoque inclui metas como promover comunidades inclusivas e resilientes, assegurar que os jovens cresçam em um ambiente de segurança, afeto e respeito, e garantir uma educação e um sistema de saúde acessíveis e de qualidade para todos.
- França: Em 2008, o então presidente Nicolas Sarkozy criou a Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi para repensar a medição do progresso. Liderada pelos economistas Joseph Stiglitz, Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi, a comissão propôs complementar o PIB com indicadores de qualidade de vida, sustentabilidade ambiental e distribuição de renda. Seu relatório se tornou uma referência global para incorporar o bem-estar nas estatísticas oficiais.
- OCDE: Lançado em 2009, o projeto “Bem-estar e mais além do PIB” da OCDE busca transformar a medição do progresso para que reflita melhor a qualidade de vida e a sustentabilidade. Reconhecendo que o PIB não capta dimensões essenciais como a saúde mental, a coesão social ou as desigualdades, a OCDE propõe um marco que inclui indicadores de bem-estar atual (saúde, educação, emprego, meio ambiente, relações sociais) e de bem-estar futuro (capital natural, humano, social e econômico). Ferramentas como o Better Life Index e o relatório How’s Life? permitem avaliar e comparar esses aspectos entre países. Mais de dois terços dos Estados-membros já aplicam essa abordagem em suas políticas públicas, avançando rumo a uma economia centrada nas pessoas e no planeta.
Equador e Bolívia: Em 2008, o Equador incorporou o conceito de bem viver o sumak kawsay em sua nova Constituição, enquanto a Bolívia o fez em 2009 sob a noção de viver bem o suma qamaña. De raízes indígenas, essa abordagem propõe uma visão de desenvolvimento centrada na harmonia entre as pessoas, a comunidade e a natureza. Embora sua implementação tenha sido desigual, representa uma inovação valiosa no debate global sobre modelos de desenvolvimento mais integrais e sustentáveis.
- Reino Unido (Nacional Well-being Measurement): Desde 2010, o Escritório Nacional de Estatísticas (ONS) desenvolve o Programa de Medição do Bem-Estar Nacional, que monitora dez domínios-chave do bem-estar, incluindo saúde, relações pessoais, emprego, meio ambiente e governança. Esse marco busca complementar os dados econômicos tradicionais e informar as decisões governamentais com uma visão mais integral do progresso.
- Estados Unidos (Santa Monica): Em 2013, a cidade de Santa Monica, Califórnia, lançou o Santa Monica Wellbeing Project, tornando-se pioneira na integração do bem-estar humano na formulação de políticas locais. O projeto utiliza um índice baseado em seis dimensões-chave e tem sido replicado por outras cidades interessadas em uma gestão pública centrada nas pessoas.
- Islândia (Well-being Index): Desde 2019, a Islândia implementa um Índice de Bem-estar composto por 40 indicadores que abrangem aspectos sociais, econômicos e ambientais.
- Nova Zelândia: Em 2019, a Nova Zelândia apresentou o Well-being Budget, um orçamento nacional explicitamente concebido para priorizar o bem-estar humano. A abordagem integra indicadores sociais, ambientais e econômicos na alocação de recursos, marcando um marco na governança e nos orçamentos nacionais orientados ao bem-estar.
- Canadá: Em 2021, o Canadá estabeleceu o Quality of Life Framework, um marco oficial para medir o bem-estar em cinco dimensões-chave: prosperidade, saúde, comunidade, meio ambiente e governança. Essa abordagem busca informar a tomada de decisões e promover uma visão mais integral do progresso nacional.
- Chile: Desde 2021, através da Pesquisa de Bem-estar Social, o Chile começou a incorporar de forma progressiva dimensões subjetivas do bem-estar em suas estatísticas oficiais, com o objetivo de captar percepções da população sobre qualidade de vida, coesão social e satisfação com os serviços públicos.
- Austrália: Em 2023, o governo australiano apresentou seu marco Measuring What Matters, centrado em cinco áreas fundamentais do bem-estar: saúde, coesão social, sustentabilidade ambiental, segurança e prosperidade.
Esses casos evidenciam que é possível construir índices que respondam a realidades nacionais e prioridades sociais distintas. Essas iniciativas compartilham um objetivo em comum: o desenvolvimento deve estar centrado no bem-estar integral das pessoas e na sustentabilidade do planeta, e não apenas no crescimento econômico.
Mais além do PIB
Nas últimas décadas, ficou claro que o PIB não pode continuar sendo a única referência de progresso. Embora útil como indicador econômico, é necessário ir além.
A Agenda 2030, juntamente com os marcos e indicadores desenvolvidos por diversos países, mostra que é possível redefinir o desenvolvimento em termos de bem-estar integral e sustentabilidade. Mas, para que essas métricas se traduzam em mudanças reais, é imprescindível que os governos as integrem em seus sistemas de planejamento e orçamento, adaptando-as aos seus contextos sociais, culturais e ecológicos.
Precisamos de uma transformação profunda. Uma nova forma de avaliar o progresso humano, em que o crescimento econômico não seja um fim em si mesmo, mas um meio para construir sociedades mais resilientes, equitativas e dignas. Só assim poderemos avançar rumo a um desenvolvimento verdadeiramente humano e sustentável, para o presente e as gerações futuras.