Pensamento ibero-americano

Revista da Secretaria-Geral Ibero-Americana


Financiamento em setores de risco, uma guinada frente à vulnerabilidade

Alicia Bárcena

Ministra do Meio Ambiente e Recursos Naturais do México

Encontramo-nos em um ponto de inflexão, a dez anos da adoção dos marcos multilaterais mais importantes e vigentes até o momento. Este ano serão renovados os princípios e compromissos sobre financiamento para o desenvolvimento, em Sevilha, assim como as metas de ação climática, em Belém do Pará. Ambas as folhas de rota estão alinhadas a uma terceira agenda que engloba os elementos decisivos para os próximos cinco anos: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Na última década, o mundo entrou em uma etapa de múltiplas crises interconectadas: emergência climática, perda de biodiversidade, tensões geopolíticas, atraso social, conflitos armados e desafios macroeconômicos. Essa confluência reconfigurou as prioridades do sistema multilateral e evidenciou a urgência de reformar a arquitetura financeira internacional para que esteja à altura do desafio mais premente da nossa geração: garantir um desenvolvimento sustentável, justo e resiliente.

Ainda que as agendas globais tenham orientado diversos atores na arena internacional pelo caminho da transição ecológica mundial, ainda há muito a ser feito. O risco de retroceder décadas em relação às regras e acordos que regem a governança global é cada vez mais latente. No entanto, as preferências dos agentes econômicos também se inclinam com maior força às propostas inovadoras que buscam contribuir com modelos mais justos, igualitários e ambientalmente favoráveis.
Com tudo o que foi dito, a Cúpula de Sevilha abre uma janela de oportunidades para a revisão das sete áreas da Agenda de Ação de Adis Abeba, particularmente três: recursos públicos internos; negócios e finanças privadas; e cooperação internacional para o desenvolvimento. De acordo com dados da OCDE, o financiamento sustentável cresceu 22% de 2015 a 2022; no entanto, as necessidades de financiamento para o alcance dos ODS aumentaram em 36% no mesmo período, devido às mudanças climáticas e à pandemia de COVID-19, entre outros fatores. Para os países em desenvolvimento, essa lacuna de financiamento significou um aumento de 60% durante o mesmo período.

Na região da América Latina e do Caribe, essas crises estão deixando profundos atrasos nas sociedades e, como se não bastasse, a degradação ambiental potencializou as desigualdades. De acordo com o Relatório de Progresso dos ODS 2024 das Nações Unidas, pelo menos 18% da população vive com menos da metade da renda média. A pobreza continua sendo um flagelo para o mundo que devemos enfrentar com muita seriedade para avançar em sua diminuição inadiável.
Enquanto enfrentamos uma contração do financiamento internacional, tanto as metas da Agenda 2030 quanto o Acordo de Paris e o Marco de Biodiversidade Kunming-Montreal exigem cada vez mais capacidades técnicas e financeiras. Paradoxalmente, essas capacidades são as mesmas que vêm sendo corroídas pela falta de acesso a recursos oportunos, suficientes e previsíveis.

A partir do México, observamos com preocupação a diminuição nos fluxos de cooperação multilateral e financiamento climático. Essa tendência ameaça desarticular os avanços conquistados, sobretudo para os países que dependem em grande medida de fundos internacionais para cumprir suas metas climáticas e de conservação. Os cortes no orçamento de organismos internacionais, derivados dos anúncios do governo norte-americano no início do ano, representam o indício mais claro de que enfrentaremos o enorme desafio de fazer mais com menos.

A vulnerabilidade ambiental do México não difere da dos demais países da América Latina e do Caribe; sua causa é estrutural. Cerca de 68% da população vive em territórios expostos aos efeitos das mudanças climáticas e aproximadamente 2.630 espécies de flora e fauna estão em risco de extinção. A resiliência desses ecossistemas depende de um financiamento sustentado e de longo prazo. Mas quando esse financiamento se retrai, as consequências afetam diretamente as comunidades e suas capacidades para defender a riqueza natural do país.

No campo climático, os riscos que enfrentamos têm um grande impacto social. Os componentes de mitigação e adaptação da atualização da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC 3.0) serão complementados com um terceiro elemento de perdas e danos. Isso quer dizer que deveremos considerar aquilo que não conseguimos mitigar e não pudemos adaptar a tempo, o que se converte em uma perda irreversível ou em um impacto recorrente que teremos de enfrentar a cada temporada. Essa agenda é particularmente impulsionada pelos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento e não é alheia ao México, que possui 143 ilhas habitadas nas quais viviam, em 2020, 357.000 pessoas — pouco menos do que vivia nas Bahamas nesse mesmo ano.

Por essa e outras razões de índole econômica, em nosso país, instrumentos-chave como o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), o Fundo Verde para o Clima (GCF), entre outros fundos multilaterais, têm representado uma alavanca de fortalecimento institucional e operacional em matéria ambiental. Esses fundos complementaram de forma direta as políticas de restauração e conservação, o fortalecimento de comunidades locais e, por meio de projetos focalizados, colaboraram com a criação de uma estrutura institucional que sustenta a ação climática territorial. Tão importante é esse recurso para a política nacional que, desde 1991 até hoje, o México recebeu cerca de 650 milhões de dólares em 85 projetos nacionais, sendo um dos países com maior alocação de recursos por parte do GEF. Perante o GCF, o México conta com uma carteira de três projetos nacionais e nove regionais voltados à mobilização de mais de 167 milhões de dólares em financiamento.

Diante das decisões cotidianas que milhões de pessoas mexicanas precisam tomar frente a condições de risco, o Governo Federal optou por desenhar e implementar uma Estratégia de Mobilização de Financiamento Sustentável (EMFS), liderada pela Secretaria da Fazenda e Crédito Público. Essa estratégia se apresenta como uma resposta estrutural à lacuna de recursos financeiros para o desenvolvimento sustentável, que equivale a 13,6 trilhões de pesos. A ambição é contundente: mobilizar 1,7 trilhão de 2023 a 2030, o que equivale a 5,4% do PIB nacional de 2023.

A EMFS é uma folha de rota para transformar o sistema financeiro no México e está alicerçada em três pilares: a gestão financeira pública sustentável, a mobilização de financiamento sustentável e um conjunto de ações transversais que incluem perspectiva de gênero, soluções baseadas na natureza, criação de capacidades institucionais, assim como um processo de monitoramento da estratégia. Esses eixos permitem avançar em múltiplas frentes, desde a integração da sustentabilidade no Orçamento de Despesas da Federação até o desenho de instrumentos inovadores como os títulos soberanos alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Em fevereiro de 2025, o México já havia emitido mais de 408 bilhões de pesos em títulos ODS, consolidando uma curva de rendimento sustentável nos mercados internacionais e locais. Esses títulos financiam ações concretas, como a proteção de ecossistemas estratégicos, a restauração de espécies emblemáticas — como a onça-pintada ou a borboleta-monarca — e a atenção a zonas altamente vulneráveis. Além disso, a Banca de Desenvolvimento mobilizou mais de 56 bilhões de pesos entre 2019 e 2022 em projetos sustentáveis, enquanto instituições como o Banco Nacional de Obras e Serviços Públicos e o Fundo Nacional de Infraestrutura canalizaram investimentos em transporte coletivo, saneamento de água e gestão de resíduos sólidos. Isso demonstra que, quando existe um marco de política pública claro, é possível gerar impactos reais nas condições de vida da população.

Um dos acertos da EMFS é sua abordagem integradora: convoca os setores público, privado e social a participarem da solução. A mobilização de recursos não é apenas uma questão de desenho fiscal, mas de construção de confiança e alianças duradouras. Esses esforços somam-se à combinação de esquemas de financiamento que permitem impulsionar uma nova visão sustentável e humanista desde o setor público e o privado.
Para 2025, 84,5% dos programas orçamentários do Governo Federal estão alinhados com pelo menos um ODS. Esse vínculo orçamentário não é um exercício simbólico, mas uma ferramenta para orientar os gastos em direção ao bem-estar social e ambiental, sob critérios de transparência e eficiência.

Como parte fundamental da EMFS, está o desenvolvimento da Taxonomia Sustentável do México, um instrumento que classifica atividades econômicas segundo sua contribuição para o desenvolvimento sustentável. Trata-se da primeira taxonomia do mundo que incorpora objetivos sociais junto aos ambientais e que adota padrões internacionais para oferecer segurança quanto à sustentabilidade dos investimentos.
Esse marco técnico permite orientar os investimentos privados para setores estratégicos, como a energia limpa, o setor agroflorestal, o transporte ou a economia circular. Sua implementação foi acompanhada por mais de 40 oficinas, sessões de capacitação e um projeto-piloto que já envolve instituições que representam 94% dos ativos do sistema financeiro mexicano. A aceitação da Taxonomia tem sido tal que diversas entidades financeiras do setor privado começaram a alinhar voluntariamente suas atividades.

Além disso, a implementação da EMFS depende em grande medida dos atores-chave dentro e fora do sistema financeiro; por isso, a cooperação internacional é tão importante. Em um cenário de crescente complexidade — tanto ambiental quanto financeira —, os governos devem fortalecer suas capacidades de diagnóstico, execução e avaliação. A assistência técnica internacional, particularmente dos organismos multilaterais, tem sido essencial para que o México possa adotar padrões globais em matéria de transparência, governança ambiental e eficiência fiscal.

Exemplo disso são os mecanismos em favor da conservação natural que estão em andamento por meio do investimento em projetos prioritários com alta rentabilidade social, como os trens de passageiros ou os Polos de Desenvolvimento para o Bem-Estar (PODEBIS). Através deles, serão vinculados recursos do investimento público, com a meta de que pelo menos 3% deste seja destinado a ações de compensação, mitigação e remediação ambiental. A mobilização de recursos para impulsionar a regeneração de sistemas naturais não é apenas um objetivo financeiro, é uma mudança estrutural progressiva. A mudança climática e os demais riscos de colapso ambiental são as maiores restrições de mercado de todos os tempos. Por isso, o impulso por meio da produção de bens públicos globais, do financiamento para o desenvolvimento e das políticas nacionais deve continuar sua tendência de alinhamento com as rotas econômicas rumo à neutralidade de carbono e à restauração dos ecossistemas.

Se algo nos ensinam as crises atuais, é que não podemos resolver os problemas do século XXI com as ferramentas do século XX. O sistema financeiro global precisa de uma reforma profunda que permita canalizar recursos para onde mais são necessários, com critérios de equidade, corresponsabilidade e justiça ambiental. O México está preparado para liderar esse processo, bem como para propor e acelerar as ações determinadas sob uma abordagem humanista e em favor do bem-estar compartilhado.
O México está fazendo sua parte, mas não pode fazê-lo sozinho. É necessário construir uma nova narrativa de corresponsabilidade que reconheça as assimetrias históricas e os compromissos comuns, porém diferenciados. Só assim poderemos avançar rumo a uma economia que não deixe ninguém para trás e que coloque no centro a vida, a dignidade humana e a proteção dos nossos ecossistemas de forma sustentável, ou seja, que perdure no tempo.

A consecução das metas para o desenvolvimento sustentável é, para além de um ato de vontade política e de visão ética, uma oportunidade para redirecionar os padrões de produção e consumo rumo ao compromisso intergeracional da sustentabilidade. Não há tempo para modéstias graduais nem para lideranças tímidas. A coordenação, determinação e compromisso que formos capazes de ter configurará a oportunidade que temos e reacenderá a esperança de construir um futuro com justiça e igualdade.

Alicia Bárcena: Ministra do Meio Ambiente e Recursos Naturais do México no governo de Claudia Sheinbaum. Anteriormente foi chanceler e embaixadora do México no Chile. Também foi a primeira mulher a ocupar a secretaria executiva da CEPAL.

* As opiniões expressas nos artigos e vídeos da revista Pensamento Ibero-Americano são de responsabilidade exclusiva dos seus autores e não refletem necessariamente o ponto de vista da Secretaria-Geral Ibero-Americana.

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